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sábado, 5 de junho de 2010

MEXERICARRRRRRRRR


O verbo “mexericar”, que significa falar mal de alguém, deriva do forte odor que a fruta mexerica (tangerina) deixa na mão. Por isso, não há como esconder que se comeu uma mexerica. Essa mesma inclinação reveladora tem o Fofoqueiro. Pedir segredo para o Fofoqueiro é como pedir a alguém que não revele que comeu uma mexerica.
Mexerico, Falação, Rumor, Bisbilhotice, Intriga, Fuxico... Ou simplesmente, FOFOCA - um fenômeno social que é um poço de contradições: as pessoas fofocam mesmo acreditando que não deveriam fazê-lo. Um artigo de capa publicado em outubro/2008 na Scientific American Mind, uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo salienta que “Nos últimos anos pesquisadores vêem estudando a Fofoca – nossa predileção para falar sobre as pessoas que não estão presentes. Por que falar dos outros é tão irresistível?” (http://www.scientificamerican.com/. Cfm? Id=the-science-of-gossip). O texto dedica-se a explicar o nosso fascínio pela fofoca e relata que ela pode ser um resquício da nossa evolução.
O psiquiatra José Ângelo Gaiarsa (1978) em seu livro "Tratado Geral Sobre a Fofoca" apresenta idéias da psicanálise, existencialismo, fenomenologia, psicologia social e biofeedback; reunindo-as e organizando-as em torno do conceito de Fofoca. Gaiarsa, nos recortes a seguir, faz uma análise precisa, profunda e inteligente do tema numa visão ampla da personalidade humana em linguagem irreverente, provocativa e bem humorada:
A Fofoca, o mais fundamental dos fenômenos humanos, acontece de tal forma que se esconde na medida em que aparece. Quase ninguém diz ou sequer reconhece - que faz Fofoca. Todos sabem que a Fofoca está aí, todo mundo faz parte dela, é claramente uma rede pública secreta. Em números redondos, estima-se que 20% de tudo o que se diz no mundo é conversa funcional, é ordem, pedido, informação, constatação, declaração - é palavra ligada a fatos e influindo sobre eles, de um modo imediato e demonstrável. Os restantes 80% de todas as conversas do mundo poderiam ser chamados de Conversa-Fiada; trata-se de falar por amor à conversa, de falar por falar, de papo - os antigos diziam: tagarelice, loquacidade. Uma análise da Conversa-Fiada (80%) mostra que ela pode ser dividida em duas partes: 40% dela é Fofoca + 40% é Afirmação de Preconceito. Ou estou dizendo que o outro fez coisas contrárias aos bons-costumes estabelecidos e por isso é malandro, um canalha; ou estou dizendo que sou muito bom, que tenho coisas lindas e invejáveis, que o que eu faço, penso e digo está tudo na direção das mais altas aspirações do grupo com o qual estou falando. Falar é, de longe, a principal atividade da infinita maioria das pessoas. Estima-se que as pessoas passam conversando 80% do tempo de lazer, 30% do tempo de trabalho e 100% do tempo das refeições, sempre que a pessoa coma com alguém ao seu lado. Para a maior parte dos indivíduos, falar é a mais alta expressão de si - pois que o resto do que fazem é costume e rotina, algo sem graça e sem interesse. Com os percentuais citados, temos para todos cerca de oito horas e meia de conversa por dia. Portanto, quanto à Fofoca (40% do total de conversa, como vimos) temos, aproximadamente três horas e meia por dia para toda a humanidade. Como hoje, somos algo em torno de 6.000.000.000 de pessoas, diariamente são feitas no mundo 21.000.000.000 de horas de Fofoca, para fora, com o outro. Além do falar sozinho consigo mesmo e a Fofoca de dentro feita com “os nossos botões”. Nosso Eu se comporta e fala dentro de nós como se estivesse diante de uma comadre astuta, vigilante e malevolente, que observasse suas menores reações e estivessem sempre prontas a atribuir-lhe as piores intenções. Esta comadre fofoqueira-mor é chamada pelos psicanalistas de Superego. Nosso diálogo interior é tão rico de Fofoca como o diálogo exterior. A Fofoca é trágica - ela é o principal instrumento e motivo de toda autocensura, de toda autocastração e de toda irrealização pessoal. É uma hipótese baseada em dados mais do que deficientes - quando se sabe de uma Fofoca grande, pode-se ter certeza de que foi construída à custa da frustração de muitas pessoas, cada uma delas acrescentando ao relato o seu medinho individual. Resumindo, podemos dizer que Fofoca é o comentário tendencioso sobre um terceiro ausente. A notícia, ao passar de pessoa para pessoa, vai sofrendo alterações e/ou acréscimos, que a modificam. Mais importante, porém, do que essa modificação da notícia é a interpretação que o Fofoqueiro faz das ações ou ditos de sua vítima. Quem faz e quem ouve a Fofoca são cúmplices num crime comum - são conspiradores que estão traçando uma rede na qual apanham alguém que fez ou disse coisas contrárias à moral ou aos bons -costumes - dos dois. Todos os Fofoqueiros são policiais do status quo´ .A Fofoca exclui o feedback - a resposta imediata do outro ao nosso comportamento. A Fofoca consegue estragar quase todo o amor do universo - alquimia negra, isso é que dói. “Ou nos amamos ou nos aniquilamos todos juntos...”.
Fazendo o contraponto sobre esse tema vale lembrar-nos da famosa “Metáfora das Três Peneiras”:
“Conta-se que certa vez um amigo procurou Sócrates, o célebre filósofo grego, desejando contar-lhe algo sobre a vida de outro amigo comum.
- Quero contar-te algo sobre o nosso amigo Andréas que vai deixar-te boquiaberto.
- Espera – interrompeu o filósofo – passaste o que vais dizer pelas três peneiras.
- Três peneiras? Espantou-se o interlocutor.
- Primeira peneira: a coisa que me contarás é verdade?
- Segunda peneira: a coisa que pretendes me contar é boa?
- Terceira peneira: o que tinhas a intenção de me contar é de utilidade tanto para mim como para o nosso Andréas e para ti mesmo?
- Não, não e não.
- Então, caro amigo, disse Sócrates, a coisa que pretendias me contar não é certamente verdadeira, nem boa, nem útil - assim sendo, não tenho a intenção de conhecê-la e aconselho-te a não mais procurar divulgá-la.
Vale ainda refletirmos sobre o que nos disse o Dalai Lama: “Não somos apenas peças de uma máquina ou passageiros impotentes de uma volta pela vida - às vezes suave, às vezes turbulenta. Precisamos, então, examinar mais de perto o que estamos vivenciando cada dia... Nossos ambientes de vida, trabalho e lar, incluindo as atitudes e comportamentos dos outros, apenas fornecem as circunstâncias com as quais vivemos nossas vidas. “A qualidade de nossa vida - o que nós mesmos, ninguém mais, está vivenciando agora mesmo - contudo, é o resultado direto de nossas próprias atitudes - de ninguém mais - e o comportamento que elas geram”.
Fonte: GAIARSA, José Ângelo. Tratado Geral sobre a Fofoca: Uma análise da desconfiança humana. São Paulo: Summus editorial, 1998

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